Liberdade: direito ou ilusão?

Uma pessoa não se encontrar sujeita ao domínio de outrem, ter poder sobre si mesma e sobre seus atos poderia ser a expressão de um conceito puro de liberdade. Porém, o conceito de liberdade é muito complexo, pois abrange muitos sentidos. As dificuldades teóricas intrínsecas à definição fizeram com que as ciências humanas e sociais optassem pelo termo plural “liberdades”, em lugar do ideal absoluto de “liberdade”. Inclusive, porque a liberdade é a soma de várias liberdades especificas, diretamente ligadas ao individuo e à sociedade; à ciência e a religião; à ética e a política; e a quase todas as áreas da atividade humana. Por isso, fala-se constantemente em liberdades sindicais, econômicas, de opinião, de pensamento, etc.

Em sentido lato, a palavra “liberdade” vem do latim libertate. Indica a faculdade de cada pessoa decidir ou agir de acordo com a própria determinação, dentro de uma sociedade organizada, limitada pelas normas impostas; ou seja, a liberdade será determinada pelos seus princípios de “direito”: o errar e o acertar.

Sabemos que o desejo de liberdade é um sentimento profundamente arraigado no ser humano. Assim, há sempre questões, dúvidas e impossibilidades: o casamento, a escolha de uma profissão, o compromisso com uma religião. Essas, dentre outras ações, exigem do homem uma decisão quanto ao seu próprio futuro. Implicam em escolhas pelas quais ele se responsabiliza, assumindo riscos (vitórias ou derrotas). As escolhas raramente são fáceis e simples, pois optar por uma alternativa pode significar a renúncia a outra ou a outras. Mas será a liberdade um direito ou uma ilusão? Responder a isto é delicado e problemático, pois cada pessoa tem um entendimento peculiar sobre o tema.   No entanto, falarei um pouco a respeito.

A liberdade pode ser considerada uma ilusão, uma vez que a nossa conduta é sempre determinada. Quando nos decidimos por algo, nós o fazemos condicionados a sistemas de vida, agindo conforme o que observamos, aprendemos. A falta de controle sobre inúmeras situações fortalece ainda mais a ideia de que a liberdade é uma utopia. Não temos poder de decisão sobre muitas coisas: a época, o local e as condições de nascimento; a saúde; os desastres de que somos vítimas; o tipo de educação que recebemos; a entrada no curso pretendido. Sem contar, que há inúmeras resoluções tomadas, cujos efeitos não são os esperados.

Já observando pela óptica legal, a liberdade é um direito do individuo, adquirido e reconhecido. Um direito absoluto sobre si, que presume responsabilidade pelas decisões concretizadas, não sendo admissível qualquer contestação das decisões racionalmente concebidas.  Pois, tal contestação levaria a julgar que o indivíduo é incapaz para a liberdade, devendo então ficar sob a responsabilidade ou sob as decisões alheias. Em suma, uma pessoa é livre quando a sociedade não lhe impõe nenhum limite injusto ou absurdo. Mas, o que seria um limite desnecessário? A imposição de um limite paradoxal transformaria o direito legítimo à liberdade em mero sonho? É neste ponto que habita a ambiguidade do tema em questão.

A Constituição Federal, no seu Art. 5º, inciso II, diz: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Com este inciso, o constituinte quer proteger o cidadão de abusos de poder.  Só a lei (elaborada de acordo com o pressuposto democrático) terá legitimidade para restringir a liberdade individual. Quanto ao pressuposto democrático, consiste em que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos. Estes últimos elaboram as leis (através de plebiscitos, referendos, etc.), com a finalidade de regrar as condutas socialmente permitidas, proibidas e obrigatórias.

O que acontece muitas vezes, no entanto, é que esses representantes aprovam as leis sem grandes debates com a sociedade, circunstância que pode originar proibições ou restrições polêmicas.   Seja como for, e ainda que essencialmente corretos e socialmente bem intencionados, cada vez mais surgem normativos que afastam a liberdade como direito, levando-a para o âmbito da ilusão.

É o caso da Lei Seca (Lei nº 11.705, de 19 de junho de 2008), que só após entrar em vigência na data da sua publicação (20/06/2008), passou a ter o seu conteúdo discutido.

A “Lei Seca” visa prevenir e reduzir a ocorrência de acidentes de trânsito causados por condutores irresponsáveis e imprudentes, que dirijam seus veículos sob efeito de álcool.  Para isso são adotados determinados mecanismos, aos quais não farei referência.

Vale lembrar que dirigir sob o efeito ou influência do álcool já era vedado pelo Art. 306, do Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503, de 23 de Setembro de 1997). Ou seja, dirigir embriagado sempre foi uma grave infração. A intenção da nova lei é excelente. A grande diferença é que, na atual, a ingestão de álcool pelo motorista se torna, na prática, proibitiva.  Assim, restringe a liberdade individual, que seria poder beber e dirigir, dentro de níveis baixos de alcoolemia, que não prejudicassem a boa condução. Já para os indivíduos absolutamente alcoolizados, aqueles que andam “trocando as pernas” e, portanto, incapacitados para dirigir veículos motorizados ou até mesmo uma bicicleta, a Lei já contemplava com rigorosas punições. Acontece que se a lei anterior recebesse o mesmo nível de fiscalização que a de agora recebe, não haveria necessidade de uma norma tão rígida, que muitos consideram uma repulsiva agressão à liberdade.

Mas, calma. A “Lei Seca” é apenas mais uma entre outras de caráter discutível. Outro exemplo é o Projeto de Lei do Senado nº 181/2007, cuja essência consiste na proibição, em um prazo de dois anos, da utilização de gordura transgênica.  Trata-se daquela que deixa os alimentos mais saborosos, confere maior validade, etc. A proibição deriva do fato de ser um fator de risco para a obesidade e as doenças cardiovasculares. Em conseqüência, além da quantidade inadmissível de álcool que podemos ingerir, o que já faz muitos de nós chorarmos, em breve comeremos batatas fritas murchas (a gordura “trans” é que as deixa crocantes) e biscoitos com recheios derretidos.

O.k.! Poderia escrever indefinidamente sobre o assunto, mas não o farei.

Partilho da opinião de que não podemos deixar de lado os fins perseguidos pelo Estado, como a defesa da vida humana. Mas, será que isso justifica todos os meios utilizados, a possibilidade de vivermos em uma sociedade em que a vontade do Estado prevaleça, indo contra os princípios democráticos? Estarão as pessoas dispostas a abdicar de sua liberdade individual, de sua prerrogativa constitucional de decidir livremente, assumindo os riscos da decisão?

Acredito que talvez nunca venhamos a descobrir uma definição absoluta, concreta e imutável de liberdade, pois esta varia. Da mesma forma, para mim não existe liberdade zero ou nula. Por mais escravizada que se ache uma pessoa, sempre lhe sobra algum poder de escolha. Tampouco há liberdade infinita: ninguém pode escolher tudo. Portanto, afirmo que, para mim, liberdade é expectativa de direito, por não depender unicamente de nós, ela, em determinadas situações, pode ser uma fantasia, um sonho ou simplesmente uma visão.

Observação: a legislação citada no artigo encontra-se disponível em:

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