Diário de Angola, entrevista

A escritora que tem em seu currículo, entre outros cursos, o bacharelato em Direito. Além de escrever (prosa e poesia) também trabalha com edições de livros. Em entrevista ao jornal A Pátria falou do impacto da covid-19 na literatura e à falta de investimento e incentivo por parte do Ministério da cultura. Eis os ‘respigos’ da entrevista ao Jornal A Pátria.

  • PÁ: O mundo hoje vive o caos sanitário da covid-19 e como tal vários sectores foram afetados. De que forma os escritores foram afetados?

IS: Os escritores foram afetados da mesma forma que cantores e outros profissionais das artes. No caso específico da pergunta, com os eventos literários cancelados ou adiados, os lucros das editoras caíram, assim como o dos autores. Com menos lucros, o investimento em novos autores ou novas obras também fica reduzido. Como se não fosse o suficiente, muitas pessoas têm medo de adquirirem livros físicos devido ao contágio de covid-19. Sendo este último caso, um medo real ou não, o ponto é que houve uma queda na compra de livros físicos (fora dos eventos). Tudo isso faz com que a indústria literária encolha, e por consequência os escritores acabem afetados negativamente. É uma bola de neve.

  • PÁ: Publicar um livro atualmente é algo muito difícil, não apenas pela questão financeira, mas também porque existem mais livros do que as pessoas costumam ler no mercado, então as editoras costumam fazer um filtro para saber “quem vende e quem não vende”, gostaria que a senhora nos contasse um pouco de como foi o seu processo de publicação e quais dicas daria para quem quer publicar um livro hoje em dia.

IS: Publicar um livro sempre foi difícil. Em tempos de covid-19, com a situação económica de muitas editoras no estado de incerteza, a tendência do número de publicações é encolher, mas isso não quer dizer que o autor deva desistir. Para começar, deve ter certeza de que a sua obra está livre de gralhas, erros ortográficos e gramaticais. Passar o livro por um leitor crítico e um revisor profissional antes de submeter para avaliação é algo de grande importância. Depois o autor deve fazer uma lista das editoras que publicam o género; não adianta enviar um livro de fantasia histórica para uma editora que só publica ficção científica. Estudar as regras de submissão também se faz importante. Cada editora tem o seu modelo de submissão e deve ser seguido. Não adianta enviar 100 páginas, se a editora pede 50. Por fim, recomendo humildade. Grande parte dos autores quer apenas ser publicado pelos grandes grupos editoriais. Mas estes já têm os catálogos editoriais e de lançamentos cheios. É aqui que entra a humildade, submeter as obras para as pequenas editoras, coisa que, na ânsia de megalomania os autores não fazem. São editoras menores que costumam apostar e investir nos autores desconhecidos e por isso merecem ser valorizadas e reconhecidas.

  • PÁ: Como vê a literatura angolana?

IS: Infelizmente a literatura angolana ainda está nos primeiros passos, não por privação de bons autores, mas sim por falta de investimento e incentivo por parte dos órgãos de cultura. Vemos autores consagrados a terem de fazer publicações de autor, pois não há editoras para investir neles. Vemos jovens autores a desistirem antes mesmo de entrarem no mercado. Tudo isso é um reflexo de um país que não oferece estímulo nessa área das artes. Se queremos que a literatura angolana deixe de gatinhar para andar e, eventualmente, correr, temos de fazer mais, todos nós. Criação de eventos literários; programas e clubes de leitura; workshops para autores, entre outras coisas.

  • PÁ : A poesia é uma camada polissémica para entrar em universos. Como se deu, no seu caso, para entrar neste universo em particular?

IS: No meu caso foi algo natural. Sempre gostei de ler os poetas clássicos, e tenho uma paixão enorme pela Florbela Espanca. A minha mãe, Maria da Piedade, também escreve poesia e desde sempre me incentivou a seguir por esses meandros. Sem ela jamais teria começado a escrever. Mas voltando à pergunta, assumo que os desamores e problemas nos relacionamentos contribuíram imenso para o meu mergulho integral na poesia. Sofrimento fez-me escrever como forma de desabafo e alívio da dor.

  • PÁ: Como foram seus primeiros passos no mundo literatura? Quais as primeiras produções literárias? Como surgiu a escrita na sua vida?

IS: Corujão da Poesia, evento que ocorre no Brasil foi onde dei os meus primeiros passos para o mundo da literatura profissional. Ali conheci escritores, e outras pessoas do meio literário que me elucidaram sobre o ramo. Quanto as minhas primeiras produções foram poemas. Comecei a escrevê-los muito jovem, ainda na adolescência. Sendo que o interesse apareceu bem antes, quando escrevia as composições de regresso às aulas. Confesso que algumas das minhas melhores lembranças de infância envolvem ler e escrever poemas. Acredito que sempre fui mais feliz ao ler e ao escrever, do que a fazer outras coisas.

  • PÁ: Como levas adiante o processo de criação literária?

IS: Não tenho um processo de escrita, sequer faço um resumo ou roteiro, o que digo desde já: é um defeito enorme. Mas eu tenho uma vaga noção de começo, meio e fim, que desenvolvo orientada pelos personagens. À medida que conheço os meus personagens e as relações entre eles, o enredo evolui de acordo. Muitas reviravoltas acontecem sem eu me aperceber.

  • PÁ: Sabemos que já lançou dois livros, fale-nos um pouco sobre eles e sobre esta experiência.

IS: Os dois livros que lancei foram de poesia. O primeiro, “Odeio amar-te, poesia”, é mais eclético. Tem poemas de amor, de solidariedade e até mesmo alguns que se parecem como súplicas. Já o segundo, “Empós de Ti”, apenas possui poemas de amor e são todos de revolta e dor. Nos dois livros apresento fases e formas diferentes de “amar”, que se refletem nos versos visceralmente. Quanto à experiência, o mais difícil não foi sofrer enquanto os escrevia, e sim, encontrar uma editora que quisesse publicar poesia sem cobrar, ou seja, que publicasse as minhas obras de forma tradicional. Por sorte, conheci o Delmo Fonseca que se interessou pelo meu trabalho e decidiu publicá-lo. Daí para a frente não foi difícil, apenas a rotina de edição / publicação de livro: escolha de capa, pedir a outros autores que fizessem os textos de apresentação do livro, entre outras coisas.

  • PÁ: E quanto ao seu livro que será publicado brevemente? Quer comentar?

IS: O novo livro não é de poesia. Há alguns anos que mudei para a prosa. A obra chama-se “A Princesa Desencantada”, é do género romance chick-lit e será publicada pela Editora Trebaruna. Muitos dizem ser romance cor-de-rosa, mas tenho a certeza que arrancará gargalhadas tanto nas mulheres como nos homens. Sinopse oficial da Editora Trebaruna:

“Bem-vindos ao reino de Gastón, preso ao norte de Portugal e de Espanha por uma unha negra. Para além de paraíso fiscal, Gastón é também paradeiro de celebridades e refúgio para lavagem de dinheiro, nomeadamente da máfia italiana. É em Gastón que encontramos a advogada Beatriz Alves. As coisas não estão fáceis para Bia, como prefere ser tratada. Sem dinheiro para manter o estilo de vida glamoroso do reino, desabafa com os leitores do seu blogue, confessando-se uma “duranga” crónica. Para complicar mais as coisas, Vítor, o seu chefe, responsável pela sua estadia em Gastón é alguém por quem nutre sentimentos confusos e contraditórios. Ainda não recuperou da depressão causada pelo iminente divórcio com Roberto, a sua alma não tão gémea assim. E, para cúmulo, apaixonou-se perdidamente pelo príncipe Carlos Henrique, um tenista mulherengo e herdeiro do trono de Gastón. Será a atrapalhada Bia capaz de resolver os seus problemas emocionais e financeiros sem se envergonhar perante as elites do reino?”

  • PÁ : Qual foi a sensação de ser premiada com uma menção honrosa no Prémio Literário Fernanda Botelho?

IS: Quase indescritível. Recebi uma ligação a dizer que tentavam falar comigo há semanas e não conseguiam, e queriam informar-me que eu tinha recebido a menção com o conto “Crisela”. O meu coração acelerou, literalmente, e comecei a transpirar. Queria gritar de felicidade, mas precisava controlar-me ao telefone. Quando a ligação acabou, tive de ficar sentada por uns largos minutos, pois a minha pressão baixara com a emoção. “Crisela” é o meu único conto e o escrevi com objectivo de usá-lo num concurso. Ganhar uma menção honrosa com ele foi sem sombra de dúvidas algo fenomenal.

  • PÁ: Como é conciliar o processo da escrita a outras áreas de sua vida, como trabalho à vida pessoal, o tempo com os amigos?

IS: Não tenho qualquer problema em conciliar a escrita com as outras áreas da minha vida. Os meus amigos estão diretamente ligados ao meu processo de escrita, e é conversando com eles que muito do que escrevo acaba por se desenvolver. A nível de trabalho, eu alterno os serviços de edição com o processo de escrita. Ou seja, se eu escrever na segunda-feira, na terça-feira eu trabalho e vice-versa. Entrando no mais íntimo da minha vida pessoal, pouco tenho neste momento.

  • PÁ: Qual consideras que é ou deveria ser a relação entre a literatura e outras artes (música, cinema, artes plásticas, etc.)? Que experiências tens, neste sentido?

IS: A relação entre a literatura e outras artes já existe. Há livros que viram filmes; peças de teatro baseadas em romances… é um universo infinito de opções. Não tenho qualquer experiência, nunca trabalhei com essa transição da literatura para outro tipo de arte, mas considero que manter a arte fiel à original é o mais importante.

  • PÁ: As escritoras, às vezes, são taxadas de serem intimistas demais, fantasiosas demais, emocionais demais, o que a senhora acha dessa reflexão?

IS: Como qualquer reflexão pode adequar-se ou não. Não é uma verdade universal. Eu não fantasio demais, tão-pouco sou extremamente emotiva, porém peco, sim, no meu lado intimista, onde me entrego por inteiro.

  • PÁ: Qual o conselho que você daria para aqueles que gostariam de escrever um livro?

IS: Ler, pesquisar e estudar a língua portuguesa. Quando lemos não só aprendemos novo vocabulário, mas também, descobrimos em que género nos enquadramos como escritores. Um bom escritor tem de ler e muito. Já as pesquisas ajudam a desenvolver conceitos dentro da história, evitam que erros básicos sejam cometidos e permitem o desenvolvimento do senso crítico do autor. Por fim, saber escrever e escrever bem, fazem uma diferença enorme. Um autor deve ter um conhecimento avançado da língua portuguesa, pois esta é a sua ferramenta de trabalho.

  • PÁ: Que projetos tens e quais gostarias de chegar a desenvolver?

IS: Neste momento trabalho num livro de fantasia histórica “A Fonte da Juventude”. É Uma história que se passa em dois mundos paralelos, o dos deuses da mitologia nórdica, como Thor, Loki e Odin, e o mundo real de Portugal durante o reinado de D. Sebastião, no século XVI. Estou na reta final da escrita e gostaria muito de tê-lo publicado, assim como escrever possíveis sequências. Um último livro de poesia, para terminar a trilogia já se encontra em desenvolvimento. Também pretendo a longo prazo tirar alguns projetos de chick-lit que tenho na “gaveta”, reescrevê-los e publicar.

  • PÁ: Gostaria que falasse um pouco de ti? Onde nasceu com quantos anos foi para Europa.

IS: Nasci em Luanda em 1984. A mudança para Portugal ocorreu quando eu tinha 8 anos em 1992. Também já vivi no Brasil, onde tirei o bacharelato em Direito. Além de escrever (prosa e poesia), também trabalho com edição de livros. Gosto muito de ler, ver séries e filmes policiais. Tenho uma horta de varanda onde passo algum tempo a plantar, colher ou simplesmente a mexer na terra. Um dos meus passatempos preferidos é passear e brincar com as minhas meninas (cadelas) Jade e Malka.

Autor: Cremildo Silva
Fonte: Diário de Angola

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